IV Simpósio de Educação Prisional reúne autoridades, estudantes e egressos e reforça papel transformador da educação

Evento promovido pelo IFRN Zona Leste discute cidadania, trabalho e reintegração social e celebrou a formatura do Ciclo II do Projeto Alvorada

O Campus Avançado Natal–Zona Leste do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) realizou, nos dias 10 e 11 de dezembro, o IV Simpósio de Educação Prisional (SIP), promovido no Museu de Minérios do Campus Natal–Central e na Reitoria do IFRN. A programação reuniu gestores, especialistas, estudantes privados de liberdade, egressos do sistema prisional e servidores públicos, fortalecendo o compromisso institucional com ações de direitos humanos, inclusão e formação profissional.

A abertura ocorreu na manhã de quarta-feira (10), com apresentação cultural do Coral Lourdes Guilherme, seguida da mesa oficial com a participação do Reitor José Arnóbio. Em sua fala, ele ressaltou que a educação constitui “um caminho possível para a dignidade, para a autonomia e para a reconstrução de trajetórias”, destacando o papel do diálogo na consolidação de políticas públicas de reintegração. A mesa também contou com o Diretor-Geral do Campus Natal–Zona Leste, José Roberto dos Santos; o secretário de administração penitenciária, Helton Edi; a coordenadora do simpósio, Edneide Bezerra; e Clécio Santos Júnior, representando o Desembargador Glauber Rêgo, do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF).

A conferência de abertura foi conduzida por Mayesse Parizi, diretora de cidadania e alternativas penais da Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), que convidou o público a refletir sobre a centralidade da cidadania nos processos de reinserção. Ao apresentar dados que indicam que o Brasil ultrapassa a marca de 700 mil pessoas privadas de liberdade, ela destacou que a privação de liberdade, como principal resposta à violência, não tem produzido maior sensação de segurança, defendendo a necessidade de revisão estrutural do modelo vigente. Parizi também enfatizou a importância de preparar a sociedade para receber as aproximadamente 230 mil pessoas que retornam ao convívio social a cada semestre.

Formatura do Projeto Alvorada marca o primeiro dia

A tarde do primeiro dia foi dedicada à formatura do Ciclo II do Projeto Alvorada, realizada no Auditório da Reitoria do IFRN. A solenidade marcou a conclusão do percurso formativo de 30 alunos e evidenciou o impacto do programa na reorganização pessoal, educacional e profissional dos participantes. O momento foi marcado por depoimentos de superação, reconhecimento institucional e reafirmação do papel do IFRN na construção de oportunidades de reintegração social por meio da educação.

Segundo dia reúne debates, participação remota e relatos de vida

A quinta-feira (11) foi dedicada às mesas-redondas e aos relatos de experiência. A primeira discussão da manhã tratou dos desafios para a consolidação de uma pena justa, reunindo representantes do IFRN, da UFRN, da Prefeitura do Natal e do Tribunal de Justiça. Entre os participantes, esteve o estudante universitário José Kelber Kaisson, privado de liberdade no Complexo Penal Regional de Pau dos Ferros (CPRPF), que participou da atividade de forma remota junto à sua turma. Ao revisitar sua trajetória, ele observou que muitos internos chegam ao sistema prisional sem ter compreendido a educação como um direito, ressaltando que sua experiência no projeto tem representado uma oportunidade concreta de mudança e reconstrução de caminhos. A mesa dedicada aos relatos profissionais do Projeto Alvorada reuniu estudantes que participaram de práticas formativas e de estágios. Entre eles, Pâmella Dutra, recém-formada pelo Ciclo II, que emocionou o público ao recordar que estava, exatamente um ano antes, na mesma mesa, ainda em processo de reintegração social. Ela relatou que os 365 dias vividos desde então foram determinantes para que não hesitasse em buscar seus objetivos, destacando o suporte dos docentes e a rede de apoio que encontrou ao retomar os estudos. Pâmella também apresentou sua experiência profissional no IFRN, onde atuou em rotinas administrativas e reforçou o desejo de permanecer contribuindo para a educação, enfatizando que a considera a principal ferramenta de transformação social.

Outro egresso, Allef Barbosa, também compartilhou sua trajetória, destacando que seu processo educativo teve início ainda na unidade prisional, quando recebeu as primeiras oportunidades de estudo. Ele relatou as dificuldades enfrentadas no ambiente de reclusão e explicou como o acesso à educação modificou sua perspectiva de futuro. Já em liberdade, ingressou na graduação em Gestão Pública e se prepara para uma especialização, além de ter desenvolvido sua prática profissional na Funcern, onde atuou nos setores de compras, tesouraria e recursos humanos, aprendendo de forma direta o funcionamento institucional. Ele agradeceu ao IFRN pelo apoio e reiterou o desejo de dar continuidade ao percurso formativo.

No período da tarde, profissionais do Escritório Social, da Funcern e de equipes dos Complexos Penais João Chaves e Pau dos Ferros apresentaram experiências de boas práticas de inclusão produtiva. Entre elas, destacou-se o relato da professora Adélia Araújo, da Educação de Jovens e Adultos Prisional da SEEC/RN, que compartilhou metodologias desenvolvidas no Complexo Penal Dr. João Chaves. Ao ensinar Matemática, ela observou maior engajamento das internas ao trabalhar temas relacionados ao cotidiano, como organização financeira e empreendedorismo, integrando esses interesses aos conteúdos matemáticos e ampliando o sentido da aprendizagem para as alunas.

As falas reforçaram a necessidade de se considerar as múltiplas camadas de vulnerabilidade que afetam pessoas privadas de liberdade e de se compreender que seus percursos educacionais e sociais não podem ser comparados diretamente aos de estudantes da rede regular. O professor Augusto Cruz, do Núcleo de Inclusão Social e Produtiva do Projeto Alvorada, destacou que os debates apresentados ao longo do simpósio têm a intenção de sensibilizar gestores e agentes públicos para mudanças estruturais e para o enfrentamento cotidiano dos desafios vivenciados pela população prisional e egressa. A mentora e primeira coordenadora do Projeto Alvorada, professora Patrícia Chagas, sublinhou que iniciativas de incentivo à leitura e à formação intelectual têm apresentado resultados concretos, citando o exemplo de que nenhum dos integrantes do projeto “Escritores do Cárcere” retornou ao sistema prisional.

O simpósio foi encerrado com uma roda de conversa e a síntese dos trabalhos. Foi reafirmado o papel central da educação profissional e tecnológica como instrumento de transformação social e de construção de novas perspectivas para pessoas privadas de liberdade, egressas e seus familiares.