Rádio comandada por presos no ES conta até com áudios de familiares na programação
Por Ana Elisa Bassi, Rosi Bredofw, g1 ES e TV Gazeta
“Alô queridos ouvintes, vocês que estão aí ao alcance da minha voz, estarei deixando uma mensagem para vocês nesse momento”. Com esse recado, quem comanda o começo da programação da Rádio Êxodus é Sérgio Vieira, um dos presos do Centro de Detenção Provisória (CDP) de São Mateus, no Noroeste do Espírito Santo.
A rádio começou a funcionar dentro da unidade prisional em janeiro de 2024. Desde o início, Sérgio é um dos locutores que comanda a programação transmitida aos cerca de 600 presos da unidade em 18 caixas de som.
“Quando você tá privado, fica privado de tudo, comunicação. Então isso aqui está sendo um meio de interagir e aprender cada vez mais”, falou.
O locutor divide a responsabilidade do trabalho com o colega Waldemar Jr. Pinheiro, também detento, em uma programação ao vivo e gravada, de 12 horas diária.
“É uma coisa que vem trazer conhecimento para dentro da unidade, para todos os detentos, porque, independente do erro cometido, temos direito a mudança”, explicou Waldemar.
Além de música e interação ao vivo, a programação da rádio conta com momentos de leitura bíblica, dicas médicas, de assistência social e jurídicas. A parte mais especial fica por conta da participação das famílias, que podem enviar áudios para o setor de segurança do CDP e os mesmos são transmitidos pela rádio, com as vozes originais.
Tudo o que vai ao ar na Rádio Êxodus é controlado pelo chefe de segurança e idealizador do projeto, Marco Antônio César Velozo. Segundo Marco, os equipamentos do estúdio foram doados por uma igreja da cidade e as caixas de som chegaram por meio de uma mobilização na comunidade.
“No final de 2022, tivemos a ideia que já é colocada em prática em outras unidades no estado. No CDP de São Mateus começou agora. […] Não é fácil, mas a gente fez a mobilização, foi atrás da população, comerciantes, advogados, igrejas, todo mundo ajudou para construir um pouquinho da rádio”, contou.
A avaliação para a administração do CDP é que a rádio já provocou resultados e mudanças de comportamento dos presos. Para o diretor interino da unidade, Marcos Aurélio Contarato, o trabalho é uma forma surpreendente de ressocialização.
“A gente está maravilhado com os resultados que estão acontecendo. As músicas, as mensagens, acalmam quem está nas celas, diminuem os conflitos e por consequência as intervenções da polícia penal”, disse o diretor.
Trabalho que faz sonhar como futuro
Antes da rádio começar a funcionar, os dois detentos locutores, o chefe de segurança e um policial penal passaram por treinamento.
Para o Waldemar, o processo não foi difícil. “Desde pequeno venho nessa área, com meus pais comerciantes, o que me ajudou bastante na área da comunicação, em saber como lidar com as pessoas, saber o que falar”, explicou.
Já para o Sérgio tudo foi novidade. “Nunca participei de uma rádio, nunca tive noção, mas fui em frente, fui em busca. Quando eu chegar lá fora, creio que isso aqui vai ser o começo de tudo para eu me fortalecer cada vez mais”, destacou o detento.
Marco Antônio explicou que os projetos de ressocialização são mais comuns nos presídios onde o preso já foi condenado e tem tempo definido para ficar na reclusão. Nos centros provisórios, como é o caso desta unidade em São Mateus, a prisão é temporária, mas, ele acredita que o trabalho deve começar imediatamente.
“A gente teve detento aqui com 5, 6 anos aguardando o julgamento. Então a gente tem que começar a trabalhar a ressocialização desde a chegada deles”, pontuou.
“É uma luz para gente poder tá exercendo uma profissão, conhecendo uma área nova, para quem sabe um dia sair daqui de dentro e continuar nessa área da comunicação”, finalizou Waldemar.
Presos provisórios
O Centro de Detenção Provisória de São Mateus (CDPSM) realiza a custódia de cerca de 600 presos do regime provisório, ou seja, de presos que aguardam julgamento. Os crimes são diversos, sendo tráfico de drogas, roubo e homicídio os mais comuns.
Além da rádio, atualmente são desenvolvidos projetos de estudo bíblico, roda de leitura, papo do bem, projeto de jogos, biblioteca interativa e atividades de justiça restaurativa.
A Secretaria da Justiça do Espírito Santo administra 37 unidades prisionais. A população carcerária total é de 23.146. Em todas existem atividades de ressocialização.
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