Bia Crispim: A luta e a conquista de uma mulher trans no caminho acadêmico
São celebradas histórias de força, coragem e transformação. Bia Crispim — escritora, professora, ex-aluna do IFRN Campus Natal-Zona Leste.
31 de janeiro de 2025
Janeiro é o mês de reflexões sobre a importância da visibilidade de pessoas transgênero no Brasil, sua representatividade e luta. São celebradas histórias de força, coragem e transformação. Bia Crispim — escritora, professora, ex-aluna do IFRN Campus Natal-Zona Leste e mulher trans — é um exemplo claro de como a inclusão e o respeito à diversidade podem florescer no ambiente educacional. Natural de Currais Novos, Bia compartilha sua trajetória de superação e conquistas, revisitando a importância de garantir espaços seguros e acolhedores para todas as identidades de gênero.
Os caminhos de Bia e do IFRN se cruzaram duas vezes. No primeiro momento, quando iniciou sua especialização em literatura e ensino, no IFRN/ZL. Depois, quando prestou concurso para professora do instituto. Aprovada, ela já atua há um ano e quatro meses como professora de língua portuguesa no Campus Caicó.
Falando sobre o acolhimento que recebe e o papel do instituto em sua formação acadêmica e profissional, Bia pontua: “Da formação, em termos de docência, acompanhamento e suporte, mesmo para os alunos, não tenho o que reclamar de forma alguma. Em todos os cursos, professores e coordenação me deram muito apoio. Acho que, de toda forma, aprendi com outras pessoas da área. Foi incrível. Hoje, minha relação como professora é uma relação de entrega porque estou muito feliz de estar aqui”. A escritora acrescenta que recebe no instituto um suporte maravilhoso para poder realizar todas as atividades e todos os projetos que tem em mente.
No entanto, o âmbito educacional também apresentou outras faces para a profissional da educação, que quase acabou desistindo de seu sonho de lecionar. “Quando comecei a faculdade [de Letras], a universidade não tinha esses suportes todos para o aluno”, relembra ela. “Então, o professor podia fazer muita coisa, inclusive violentar os alunos verbalmente. Um professor em específico me fez entender que a universidade não era espaço para mim porque ele fez um questionamento sobre a minha presença dentro da sua sala de aula. Foi e é muito dolorido falar sobre isso”, revela a professora.
Na época, Bia questionou seu papel na educação e se afastou da universidade, sem retornar por mais de dez anos. Depois, embarcou novamente em um curso superior e trouxe a educação como uma forma de resistência. “A vida toda gostei de dar aula, e na adolescência comecei a dar aula para os meus colegas, aulas particulares. Pouco tempo depois, a escola em que eu estudava me contratou para dar aulas para crianças. Eu precisava então efetivar meu conhecimento. Mesmo que eu fosse meio autodidata na maioria das vezes, sabia que o autodidatismo não iria me proporcionar, por exemplo, passar em um concurso, não iria me dar estabilidade”, explica a docente do IFRN.

Para Bia Crispim, é importante que uma pessoa transgênero tenha estabilidade. “Uma travesti, nesse país, se não tiver estabilidade… o mundo vai ser muito cruel. Então, voltei para a universidade, fiz graduação, a primeira especialização, mestrado, a segunda especialização e estou no doutorado agora”, conta ela.
O Mês da Visibilidade Trans traz uma resposta à marginalização e à falta de representatividade desses corpos e vivências na sociedade. Para Bia, a data é um momento de reivindicação. “É extremamente importante para poder alertar contra esse apagamento que existe sobre os corpos e as vivências trans. A maioria das pessoas têm muito preconceito porque não reconhecem essas vivências. Não entendem as nossas pautas. Não conseguem nem entender nossas identidades de uma forma geral”, ressalta.
A professora chama a atenção, ainda, para a diversidade dentro da própria comunidade trans e travesti, desmistificando a ideia de uma identidade única. “Estou me colocando enquanto eu, porque as identidades travestis são múltiplas”, esclarece. “Nós somos tão múltiplos quanto o ser humano pode ser, e essa data mostra à sociedade que existimos e precisamos ser vistos. A gente não pode estar em uma condição de anonimato. A gente não pode viver em uma condição de invisibilidade social”.
Em sua atuação com a literatura, Bia se considera principalmente uma contista, apreciando a arte de contar histórias. Em 2022, publicou um livro de contos intitulado No horizonte tem chuva fiando, pela editora potiguar CJA. Atualmente, possui uma coletânea de crônicas que vêm sendo publicadas desde 2020, inicialmente no portal Potiguar Notícias e — mais recentemente — no Saiba Mais, com periodicidade semanal. Bia está realizando um processo de curadoria para a seleção dessas crônicas visando lançá-las em formato de livro. Outro trabalho seu é um livro de microcontos intitulado Tem poesia e dois dedos de prosa, que se encontra em fase de apreciação.
Como mensagem final, Bia Crispim enfatiza a importância da educação e da arte como meios para sair da marginalidade e conquistar autonomia. “Estudar é difícil, fazer arte neste país é difícil, mas a educação ainda abre muitos caminhos. Então, agarrem-se a ela, enfrentem os medos e preconceitos. Isso não é só para mulheres trans, é para qualquer pessoa que esteja em situação de vulnerabilidade. A educação nos dá poder, nos permite lutar e nos impõe no mundo”, incentiva a professora.
A professora e escritora Bia Crispim reforça que a marginalidade não deve ser o único destino para as pessoas trans. “Nós podemos ser empurradas para lá, mas esse não é o nosso lugar. O lugar de travesti é onde ela quiser. Que possamos construir nossos sonhos e que a educação nos possibilite isso”, conclui, determinada.