“É preciso continuar sonhando”: o segundo dia do Simpósio de Educação Prisional discute a relação das universidades com as penitenciárias
O evento contou com uma mesa de debate e um momento de relatos de experiências no sistema prisional.
12 de dezembro de 2024
Na manhã desta terça-feira (10/12), no segundo dia do Simpósio de Educação Prisional, houve uma discussão sobre o cenário carcerário do nosso estado. Organizado pelo Campus Avançado Natal – Zona Leste do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), em parceria com a Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte, o evento contou com uma mesa de debates sobre a relação das universidades com o sistema prisional e um momento de relatos de experiência acerca do papel do Estado na promoção da cidadania nas prisões.
A educação para pessoas privadas de liberdade é um direito assegurado pela Lei de Execução Penal Nº7.210/2011, cujo objetivo é proporcionar condições para uma integração harmônica social do internado. Apesar da garantia legal, sua efetividade ainda é mínima. O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Alexandre Aguiar, comentou sobre o atual cenário da educação prisional.
“A gente sabe que existe uma lei que assegura isso, mas que não é sempre plenamente cumprida, que é a Lei de Execução Penal, ainda de 1984, ela não é nova, e ela garante esse direito. A gente pensa na necessidade de efetivar aquilo que já existe como lei. Um dos desafios é esse: a formação dos vários profissionais que atuam dentro do sistema penitenciário, pensando para além da educação e mesmo em outras assistências: assistência à saúde, assistência religiosa, assistência jurídica, psicológica, social, numa perspectiva de educação popular.
O professor Alexandre esteve presente junto com a professora Elenice Onofre na mesa de debate em que discutiram acerca do impacto da educação prisional tanto nas penitenciárias quanto nas próprias instituições de ensino.
Fotos: Tábata Dantas e Mariana Bignotti
A educação como agente de transformação
Se a educação sozinha não transforma uma sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda, já pensava o patrono da educação, Paulo Freire. Educar é permitir que se faça e refaça a si e, consequentemente, o mundo ao seu redor. Por isso, a relevância de implementar ações educativas dentro do sistema prisional, a fim de desenvolver o intelecto, o emocional e o social daqueles que estiverem encarcerados, promovendo, assim, a ressocialização produtiva e a redução da reincidência criminal.
“A educação dentro do sistema prisional é uma ferramenta eficaz para trabalhar a ressocialização. É através da educação, é por meio de leituras reflexivas que a gente consegue pensar numa transformação pessoal e devolver para a sociedade uma pessoa melhor, uma pessoa com pensamento crítico, uma pessoa reflexiva. E, acima de tudo, uma pessoa que pensou no que a levou a ir para a prisão.” explicou Vilma Paixão, policial penal há 22 anos que participou do momento de relatos de experiência.
Diante desse cenário, o IFRN, honrando o seu pioneirismo na área de educação prisional no nível superior, vai começar a ofertar cursos de especialização voltados para o público privado de liberdade através da Universidade Aberta do Brasil (UAB), permitindo que esse grupo possa ter a possibilidade de voltar a sonhar com a mudança que somente a educação é capaz de despertar.
“Claro que a gente sabe que o público do ensino superior é pequeno, mas a gente precisa pensar nele. Uma pessoa que concluiu o ensino médio na prisão precisa continuar sonhando, e o único espaço que ajuda você a sonhar é a educação. Então, quem consegue ter o seu ensino básico concluído precisa continuar sonhando. E aí eu acho que é onde a gente entra, com essas possibilidades.” falou a coordenadora da UAB, Edneide Bezerra.
A UAB é um programa que busca ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior, por meio da educação a distância, integrado por universidades públicas. O IFRN, através do Campus Natal – Zona Leste, é responsável pela oferta desses cursos EaD.
A educação como ferramenta de liberdade
Pâmella Nóbrega, aluna do curso de Gestão Pública no IFRN – Zona leste, compartilhou durante o evento a sua experiência com a educação prisional. A pandemia, a ausência de visitas, o isolamento e o preconceito não a impediram de buscar seu direito de estudar. Ao compartilhar a cela com senhoras de 50 a 60 anos, Pâmella percebeu que oito delas não sabiam ler nem escrever, foi o que bastou para incitar nela o desejo de ensiná-las.
Assim, ela começou a dar aulas para 25 internas e iniciou um movimento para formação dessas mulheres através da prova do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja). Ensinando e estudando por conta própria, Pamella foi aprovada no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e mesmo não conseguindo se matricular, buscou outra forma de ingressar no ensino superior: o curso de gestão pública do IFRN – Zona Leste.
Começou o curso como interna, continuou mesmo diante das dificuldades de estudar estando privada de liberdade e o concluirá em liberdade. Seus planos para o futuro são grandiosos e envolvem a educação. “Tenho dois livros, um que foi finalizado e um em produção para lançamento. O primeiro foi durante o cárcere e o segundo estou escrevendo agora. Os meus pais me ensinaram que podem lhe tirar tudo, mas a educação e o ensino não. O seu conhecimento vai permanecer com você.”, relatou Pâmella.
O curso superior de Gestão Pública do IFRN – ZL irá ajudá-la em seu novo propósito de vida. “Então, meus planos são esses: continuar nessa caminhada lutando pelos direitos de quem ficou lá dentro, principalmente do feminino. […] Se eu tenho educação, eu também tenho que ter igualdade: ou é tudo para todos, ou é nada para nenhum. Então, a educação é fundamental e o IF vem cada vez mais ampliando esse espaço.”