CONSCIÊNCIA NEGRA: Mais de 100 capoeiristas se reunem para discutir as políticas voltadas para a proteção da arte negra no RN

Reportagem: Laurence Campos / Nathalia Souza

Capoeiristas durante roda de capoeira

O berimbau ecoa, a roda se forma e os corpos, flexíveis, mostram uma dança harmônica e cheia de identidade. Arte para alguns e esporte para outros, a capoeira é, na verdade, a representação imaterial da resistência de um povo que teve gingado para se esquivar da opressão: usar instrumentos musicais e cantos africanos foi a única forma que os escravos encontraram para fingir que estavam dançando – mas, na verdade, eles estavam praticando uma luta física trazida da sua terra, passando despercebidos pelos grandes senhores de engenho.

Paulo Davi, 4 anos, integrante do Grupo de Capoeira Berimbaus do Oeste

Aos poucos, o combate trazido pelos africanos foi ficando como é hoje: gingado, como o povo negro. Com apenas 4 anos, o corpo mole de Paulo Davi já é recebido com orgulho na roda de capoeira do Grupo Berimbaus do Oeste, sob as ordens do mestre Gildeão. Para o pai Francisco Neto, ex-professor de capoeira, o interesse do filho pela arte desde os 2 anos é a representação do orgulho negro pela sua história: “eu tive que deixar a capoeira depois do meu segundo infarto, mas hoje eu vejo meu filho tão pequeno já imitando os grandes capoeiristas. É uma surpresa e um orgulho pra mim”, conta, emocionado.

Paulo Davi na roda de capoeira

O pequeno Davi viaja o país para apresentar a capoeira. Na última semana, ele veio a Natal para participar do I Encontro Estadual para o Fortalecimento da Capoeira como Cultura e Desporto Brasileiro, organizado pela Salvaguarda da Capoeira no RN com o apoio do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas do Campus Avançado Natal – Zona Leste do IFRN (NEABI-ZL). Ao todo, mais de 100 capoeiristas de todo o estado participaram do evento.

Sobre o encontro

O I Encontro Estadual para o Fortalecimento da Capoeira foi aberto com uma roda de capoeira na área externa do Auditório Pedro Silveira e Sá Leitão; no palco, os capoeiristas tocaram e cantaram, com os berimbaus, o Hino Nacional Brasileiro.

Durante o evento, tomou posse a Câmara Setorial da Capoeira do Rio Grande do Norte (CSC-RN) para o biênio 2019 – 2021, a ser presidida por Nivaldo Freire da Silva (Mestre Arrepio), pedagogo e diretor fundador do Memorial da Capoeira. Para ele, o momento é de felicidade e esperança após anos tentando conseguir junto ao Governo do Estado a abertura de negociações por fomentos que auxiliem a sobrevivência da capoeira. “Nossa luta não se restringe somente à Semana da Consciência Negra, mas diariamente. São centenas de anos que lutamos por um direito nosso”, afirma Nivaldo. Na ocasião, também foram apresentados os 11 integrantes titulares da Câmara.

Nivaldo Silva e os 11 integrantes titulares da Câmara Setorial da Capoeira do RN

A programação do evento trouxe também uma mesa redonda com o tema “A capoeira hoje”, que discutiu obstáculos e projetos desenvolvidos em escolas da rede pública do nosso estado. O jornalista e escritor Paulo Magalhães, conhecido como Mestre Sem Terra, apresentou seu livro “Jogo de Discursos – A disputa por hegemonia na tradição da capoeira angola-baiana”, que faz comparações entre a Capoeira Angola e a Capoeira Regional.

Fernando Varella, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI – ZL)

Segundo Fernando Varella, coordenador do NEABI-ZL, desde 2014 os capoeiristas vem lutando em busca de visibilidade e políticas públicas que favoreçam a expressão cultural da capoeira, que já ofereceu muitas chances a jovens em situação de risco: “é a primeira vez que a capoeira tem um órgão junto ao Governo do Estado. Isso possibilita a implementação nas escolas e oportunidades de emprego para capoeiristas”.

Participaram ainda do evento o coordenador da Fundação José Augusto, Aluísio Matias dos Santos, e o Diretor-Geral Pro-Tempore do Campus Natal – Zona Leste, José Roberto dos Santos.

Sobre a capoeira

A capoeira é uma das expressões culturais mais antigas do Brasil. Trazida ao país no século XVII por escravos africanos, foi proibida até o ano de 1937. Hoje, ela é reconhecida como Patrimônio Imaterial Brasileiro (Iphan, 2008) e tem como uma das suas maiores representações a Roda de Capoeira, Patrimônio Imaterial da Humanidade (Unesco, 2014).

Roda de capoeira abrindo o I Encontro Estadual de Capoeira